Em uma de tentativa de auxiliar a compreensão “debate do banheiro” eu partilharei duas histórias que ascendem uma pequena luz sobre esse assunto.
Retornando de uma viagem de final de semana, enquanto a tarde caia, eu estava no extremo sul da Geórgia, na rodovia I-75 e precisava de duas coisas, um banheiro e um pouco de água. Eu saí da rodovia na primeira saída com indicação de um restaurante fast-food que eu conhecia. Eu estava com fome, mas a necessidade de um banheiro era ainda maior. Eu entrei no restaurante e eu me dirigi rapidamente ao banheiro feminino. Enquanto eu me aproximava da entrada do banheiro duas garotas pré-adolescentes estavam saindo em direção a uma mulher que aparentava ter aproximadamente trinta anos. Ela orientou as garotas para que esperassem na área externa próxima a saída do banheiro. Assim que elas saíram eu entrei, e o que eu encontrei logo ao entrar no banheiro, que mais parecia naquele momento um quarto de meninas, era quatorze no total, acompanhadas de duas mulheres adultas. Elas aparentavam ser um grupo de líderes de torcida. As duas jovens mulheres coordenavam o fluxo de garotas dentro do banheiro e eu entrei na fila para aguardas a minha vez em um dos banheiros reservados. Enquanto eu aguardava uma das mulheres se dirigiu a mim e se desculpou pelo barulho que 6 a 8 garotas podem fazer. Eu respondi que isso não era nenhum problema para mim e perguntei se era mesmo um grupo de líderes de torcida. Ela confirmou que elas eram, e me disse que elas estavam a caminho de casa após uma grande competição de líderes de torcida e que elas tinham tirado o primeiro lugar, o que explicava a grande agitação do grupo. Enquanto eu aguardava duas garotas passaram por mim em direção à saída e educadamente me pediram licença para passar –“Com licença senhora!”. Finalmente minha vez chegou a minha vez e eu entrei no reservado e fiz o que tinha ido ali fazer, saí do reservado e me dirigi a pia para lavar as mãos e dar uma breve retocada no meu cabelo, logo depois me dirigi à saída. Quando eu saí do banheiro o grupo de garotas estava aguardando na parede oposta à saída do banheiro enquanto uma das mulheres que acompanhava o grupo havia saído para conferir a o grupo de garotas. Uma das responsáveis pelo grupo que ainda estava no banheiro mais uma vez se desculpou a mim, as garotas me saudaram com um - “Me desculpe senhora”, e eu respondi com um - “Parabéns pelo trabalho de hoje!”. Eu fui comer, e elas já havia se alimentado, e se dirigiram para a seu transporte em direção às suas casas. Isso é uma situação que não levanta preocupação em ninguém. A mulher de cabelos grisalhos fez o que qualquer um faria, apenas usou o banheiro.
Entretanto, considere a alternativa. Se eu tivesse usado o banheiro masculino, como alguns teriam feito em um momento como esse. As garotas que já aguardavam na fila quando eu cheguei teriam visto uma mulher adulta entrar no banheiro masculino, e ao sair, o grupo que me veria seria ainda maior. Eu teria feito uma cena e certamente seria o assunto de vários comentários sobre a minha pessoa no caminho de volta das garotas para casa. Em adição a isso, se tivesse tomado essa atitude eu poderia ter colocado a mim mesmo em risco no banheiro masculino e também poderia enfrentar uma situação embaraçosa se desse de cara com um homem dentro do banheiro masculino. A segunda história vem para esclarecer um pouco mais sobre o período da minha vida chamado de “transição”. Período no qual eu ainda estava em mudança para uma aparência mais feminina, eu considero essa experiência um pouco mais bem humorada.
Eu tento aparentar na maior parte do tempo uma aparência um tanto quanto mais feminina, mas para uma determinada viagem eu optei por um visual um tanto quanto mais masculino ou andrógeno, não pretendo discutir aqui os motivos que me levaram a fazer isso. O principal motivo que me moveu a fazer isso foi limitar as minhas variações de humor e ansiedades e também não ser notada por outras mulheres. Minha esposa e eu estávamos visitando o nosso filho no final de semana do dia 4 de Julho em uma cidade um pouco maior que a nossa. Nós passamos o sábado nos confraternizando e visitando pontos turísticos e históricos tradicionais de uma tradicional cidade americana. Ao longo do dia, eu fui definido em algumas horas como homem e em outras como mulher, ou seja, os dois gêneros, e as pessoas se dirigiram hora como “senhora” e horas como “senhor”, durante várias vezes ao longo do dia. Quando finalmente nós nos sentamos para jantar a minha bexiga deu sinais de estar a ponto de explodir, e eu então me dirigi para o banheiro. Eu adiei isso por todo o dia, pois, banheiros públicos não normalmente não são para pessoas “trans” que como eu me encontrava na época ainda não tinha terminado o meu processo de mudança, banheiros nessa fase costumam ser locais assustadores. Posteriormente meu problema foi agravado, pois, eu fui ser vista como mulher ou homem ao longo do dia, então, independente do banheiro que eu escolhesse para usar, eu poderia ser mal interpretada. Na minha cabeça as perguntas eram; “Qual dos dois banheiros devo usar?”, “Quão rápido seria entrar e sair do banheiro?”, “Poderia evitar encontrar outas pessoas? Como?”. O restaurante era grande e estava lotado por causa das festividades do 4 de Julho, fato que ainda foi agravado porque as pessoas que não eram comensais naquele restaurante tinham livre acesso aos banheiros. Assim como eu estava com uma aparência mais masculina do que feminina eu decidi usar o banheiro masculino. Eu me organizei para fazer todo o meu trajeto de entrada e saída do banheiro sem maiores incidentes. Quando eu saí havia um grupo de pessoas próximo à saída do banheiro. Duas mulheres com aproximadamente 20 anos de idade estavam em pé conversando com outra mulher sobre alguma coisa, eu tive que passar entre elas. Quando eu saí do banheiro e as olhei a expressão nos rostos dela disse tudo! Por que motivo uma mulher em meia idade estava usando o banheiro masculino. Isso ocorreu porque havia uma fila na entrada do banheiro feminino, estava claro que elas foram pegas desprevenidas. Mas a história não termina aí.
Chegando de volta à mesa da minha família, meu filho de 20 anos de idade, decidiu ir ao banheiro, e é aí que a história torna-se um pouco mais interessante. Assim que ele retornou para a nossa mesa ele anunciou, “Aconteceu uma coisa estranhíssima no banheiro”. Eu perguntei o que havia acontecido e ele continuou a explicar – “Ele entrou no banheiro masculino e o banheiro estava ligeiramente cheio, ele se dirigiu para a região dos mictórios e começou a urinar, quando ele ouviu duas mulheres conversando. Assim que ele ouviu vozes femininas ele virou-se rapidamente para ver, e viu de relance as mulheres terminarem de lavar as suas mãos e deixarem o banheiro.”. Eu pedi a ele que descrevesse as mulheres. Ele disse que não conseguira observar muito bem, mas disse que tinham cabelos longos e loiros e estavam na casa dos vinte anos. Eu gargalhei e disse me deixe contar o resto da história. Aparentemente, vendo uma mulher de meia idade sair do banheiro, eu, sair do banheiro masculino, fizeram com que elas decidissem por usar o banheiro masculino ao invés do banheiro feminino, visto que o feminino exigiria uma espera de aproximadamente dez minutos na fila de espera.
Eu ainda engasgo quando relembro da segunda história, mas as histórias nem sempre terminam de forma feliz para as pessoas trans. Os banheiros públicos são lugares que nós não gostamos. Nem mesmo as crossdressers, drag queens, mulheres altas e com grande estrutura corporal e nem para as lésbicas com aparência mais masculina, os banheiros são lugares hostis para todas nós. Mesmo atualmente, anos após terminar o meu processo de transição eu ainda acho os banheiros públicos locais muito desconfortáveis.
Crianças transgêneros, adolescentes e jovens adultos no ambiente educacional encontram um desafio um pouco diferente do banheiro público, nos vestiários escolares quando precisam realizar suas funções biológicas e também em espaços sociais variados. Se uma pessoa em idade escolar e em transição precisa usar um banheiro público, de acordo com muitas políticas sociais ainda vigentes são forçadas a usar espaços separados e neutros distantes dos convencionais. Ou são obrigadas a utilizar espaços destinados para o seu gênero de nascimento. O que faz com que sejam marcadas ou discriminadas como sendo pessoas diferentes, estranha, problemática, e consequentemente pessoas a serem evitadas. É muito mais saudável para todos, quando os protocolos são usados para assegurar que crianças e jovens trans tenham acesso às instalações e espaços destinados aos seus respectivos gêneros.